terça-feira, 22 de setembro de 2015

RESENHA DO LIVRO: "O MUNDO DE SOFIA: ROMANCE DA HISTÓRIA DA FILOSOFIA"

O livro de Jostein Gaarder concebe romance em que o major a serviço de um regimento da ONU no Líbano, Albert Moller Knag, quer presentear sua filha, Hilde Moller Knag, com um livro de filosofia no aniversário de seus quinze anos. Como não encontra nenhum volume a oferecer uma linguagem jovial, resolve, ele mesmo, escrevê-lo.
A trama acontece em Oslo e vizinhanças, Noruega, quando o major começa a enviar cartões-postais para sua filha Hilde, prometendo-lhe um presente de aniversário. Só que, simultaneamente, cópias dos cartões eram enviadas para uma desconhecida Sofia Amundsen, que completará quinze anos no mesmo dia de sua filha. Sofia, sem nada entender, é convocada por um filósofo, Alberto Knox, a receber aulas de filosofia. Sem alternativa, acaba aceitando o convite, ocorrendo a princípio por correspondência. Antes do final do curso, os dois descobrem que são apenas personagens do livro do major Albert Knag e lutam até o final da estória para, usando seus conhecimentos filosóficos e o apoio de Hilde (que toma conhecimento de tudo por meio da leitura do livro a partir de seu aniversário), se desvencilhar do seu controle, o que acontece em parte.
Contextualizada no romance, a filosofia é revisitada desde a Grécia Antiga aos dias atuais. Da mitologia antiga, recorda-se que havia “um equilíbrio precário entre as forças do bem e do mal”. Dando os primeiros passos na direção de uma forma científica de pensar, os primeiros filósofos de que se tem notícia, de Tales de Mileto a Anaxágoras, os chamados filósofos da natureza, concluem que “nada pode surgir do nada”. Demócrito pensou numa rudimentar teoria atômica em que o átomo e o vácuo compunham tudo na natureza.
O primeiro dos três filósofos da antiguidade que mais influenciaram a civilização ocidental foi Sócrates. Centrando seus pensamentos no homem, utiliza-se da técnica de diálogo “maiêutica”, pela qual ensinava seu interlocutor a buscar novos conhecimentos contrariando suas ideias iniciais, num contínuo processo dialético de tese e antítese. Afirmava que “mais inteligente é aquele que sabe que não sabe.” Já Platão utiliza-se da Alegoria da Caverna e da Analogia da Linha, além da maiêutica de Sócrates para construir a teoria das ideias. O Bem maior, que representa o verdadeiro conhecimento, no mundo imutável do inteligível, correlaciona-se ao Sol no mundo mutável do sensível. Somente o filósofo seria capaz de alcançar esse Bem maior e que, por isso, era este quem deveria governar. Ele estabelece que a conduta moral humana deve ser conduzida pela alma, que estaria no mundo do inteligível. Por outro lado, Aristóteles considerava a forma de uma coisa sua característica própria, a substância o material de que se compõe e a ideia a experiência do homem vivida com aquela coisa; portanto, para ele, as ideias não seriam inatas, como dizia Platão. Além disso, Aristóteles tentou organizar e por ordem em todos os conceitos do homem. Em relação à política, ele pensou em três formas como o Estado deveria ser organizado: a monarquia, em que há um único chefe de estado, mas que pode se tornar uma tirania; a aristocracia, um grupo maior de soberanos governa o Estado, mas que pode degenerar para oligarquia; e a democracia, governo de todos, mas que pode se transformar no domínio da plebe (receio da alta burguesia no Brasil atual?).
Após o séc. IV a.C., com o início do Helenismo, o legado filosófico grego “internacionalizou-se”, sendo que aos ensinamentos de Sócrates, Platão e Aristóteles não houve inovação. Neste período, destacaram-se: os cínicos, ao defenderem que a verdadeira felicidade não estava nas coisas casuais e efêmeras como o luxo, o poder político e a saúde, podendo, por isso, ser alcançada por todos; os estoicos, idealizadores do direito natural, que defendiam a ideia de que as legislações dos Estados eram imitações imperfeitas de um direito que se fundava na própria natureza, bem como de que o homem deveria aceitar o seu destino, seja ele qual for; e os epicúreos, que buscavam refúgio pessoal e quase não se interessavam por política e pela sociedade, de forma que sua filosofia libertadora se baseava nos remédios: “não precisamos temer os deuses. Não precisamos nos preocupar com a morte. É fácil alcançar o bem. É fácil suportar o que nos amedronta.” Além disso, o neoplatonismo de Plotino se destacou como doutrina de salvação que chegou a concorrer com o cristianismo já vigente à época. O mundo é distendido em dois polos: o Uno e as trevas absolutas. O Uno iluminava a alma, e a matéria era considerada as trevas. Lembrando a alegoria da Caverna de Platão, dizia que quanto mais próximo da caverna, mais perto de tudo que existe. No entanto, entendia que tudo é um, pois tudo é Deus.
O autor explica que a entrada do Cristianismo no mundo greco-romano significou o dramático encontro de dois círculos culturais: o indo-europeu, politeísta, e o semita, monoteísta. No primeiro, havia uma “visão cíclica da história”, da mesma forma que as estações do ano, não havendo um começo nem um fim. No segundo círculo, havia a “visão linear da história”, em que Deus criou o mundo e assim começou a história, que terminará no dia do Juízo Final. Deste modo, o Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo, de origem semita, bem como o Hinduísmo e o Budismo, de origem indo-europeia, sofreram influências religiosas e filosóficas das civilizações que o antecederam.
Enfoca que, durante o mergulho nas profundezas da Idade Média, a cultura greco-romana foi de certa forma preservada, quando se dividiu em três difusões representadas pela cultura católico-romana, influenciada pelo neoplatonismo, pela cultura romano-oriental, por meio do legado de Platão, e pela cultura árabe no sul, com grande influência de Aristóteles. Estas três propagações culturais reencontraram-se no norte da Itália, no final da Idade Média. É de se ressaltar também a influência que Platão e o neoplatonismo exerceram sobre o filósofo católico Santo Agostinho, na Alta Idade Média. Para salvar a concepção platônica das ideias eternas, ele atribuiu a Deus estas ideias, de maneira que antes de Deus ter criado o mundo, as ideias já estavam dentro de Sua cabeça. Outro importante filósofo católico foi São Tomás de Aquino, já na Baixa Idade Média. Este, influenciado pelos conhecimentos trazidos pelos árabes, que antes invadiram a Espanha, acabou por adotar a filosofia aristotélica em tudo que não contrariava a teologia da Igreja Católica.
Do encontro das três difusões oriundas da antiguidade, no final do séc. XIV, surgiu o Renascimento no norte da Itália, proliferando-se por toda a Europa nos séc. XV e XVI. Opunha-se à natureza pecadora do homem da Idade Média, ao propor a volta do humanismo, mas agora marcado pelo individualismo, em que o homem renascentista se ocupa de todos os aspectos da vida, da arte e da ciência. Por meio do método empírico, baseado na observação, houve grande impulsão no conhecimento científico, sobretudo com Copérnico, Kepler, Galileu e Isaac Newton. É neste contexto que erguem-se os reformadores da Igreja Católica, como Martinho de Lutero e Erasmo de Roterdã, ao defenderem que o homem não necessitaria da intermediação da Igreja ou dos sacerdotes para obter o perdão de Deus. Em oposição a esta ideia, surge o movimento contrarreformista, trazendo em seu bojo o Barroco com seus mistérios, incertezas e irracionalidades.
Para apaziguar tais incertezas, emerge o Racionalismo de René Descartes, que se tornou o responsável pela reunião do pensamento contemporâneo num único sistema filosófico, fundado na razão. Dentre os vários pensadores, destaca-se, além de Descartes, Spinoza, segundo o qual, "Deus não é um manipulador de fantoches". O otimismo cultural era tanto a ponto de se acreditar que a irracionalidade não mais desempenhasse uma força tão vital em relação ao Homem. Tais ideias culminam com o Iluminismo de Kant, movimento precursor da Revolução Francesa.
Entretanto, para a compreensão total do mundo, somente a racionalidade humana não seria suficiente, havendo de ser complementada pela imaginação, a sensação, os sentimentos, a intuição, etc., afirmavam os idealistas do Romantismo de Rosseau, Schelling, Hegel e Marx; com referência até a Darwin e Freud, estes já influenciados pelas ideias Naturalistas.
Entre os filósofos românticos, Hegel tem maior destaque, contribuindo com a concepção de que existem verdades acima da razão humana e de que a filosofia, ou todo pensamento, por conseguinte, não poderia ser desvinculada do seu contexto histórico, numa visão dialética da realidade. Desenvolveu a teoria da tese, antítese e síntese, mostrando a teoria do dinamismo da razão humana.
O autor de "O mundo de Sofia" continua a percorrer as questões filosóficas, passando pelo Existencialismo de Jean-Paul Sartre, pela Ecofilosofia, antecipando-se aos problemas ambientais atuais, e até pela ideia do Big Bang, para relacioná-la com a concepção linear da história no cristianismo, dada a expansão indefinida do universo, em contraposição à visão cíclica da história na filosofia indo-europeia.
Dessa forma, em que pese o fraco final do livro para desfazer a relação entre o suspense tramado na estória e a história filosófica, foi promovida uma explanação geral da filosofia, a partir das perguntas simples “quem é você?” e “de onde vem o mundo?”, na pretensão de trazer as pessoas ao cerne das questões que envolvem a nossa existência, por meio de um romance de leitura lúdica e intrigante, altamente recomendável a todos e todas.

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